Fortaleza, 11 de maio de 2009.
Excelentíssimo (a) Senhor (a) Deputado (a) Federal,
A Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina vem, por meio deste, dialogar com todos os parlamentares sobre o projeto a ser votado no dia 12/05/2009, o projeto das Fundações Estatais de Direito Privado. Antes de mais nada, é importante situar o Sistema Único de Saúde, fazendo referência ao processo Constituinte de 1988, enquanto uma vitória significativa – embora parcial – de amplos setores da população que se organizaram e se mobilizaram em torno da construção de um projeto de saúde e de Estado democrático para o nosso país.
O Projeto de Fundações Estatais de Direito Privado surge tendo, como pretexto inicial, a crise dos hospitais do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro. Ele se propõe a “dotar o Governo de agilidade no atendimento das demandas sociais do país” (MPOG). Acontece que, no caso de uma reforma do Estado, a avaliação do funcionamento insatisfatório de algo não é dotada apenas de caráter técnico, porque sempre atenderá às demandas da parcela da população que tornou essa reforma uma necessidade. Vimos trazer a consideração de que as Fundações Estatais consistem num projeto de contra-reforma do Estado brasileiro no âmbito das políticas sociais, na medida em que incide negativamente sobre as condições de vida gerais da população, sobretudo aquelas das camadas mais empobrecidas.
Transportar para o Estado o papel de concorrente dos serviços privados e utilizar a lógica empresarial (ou seja, a do lucro) para definir eficácia e eficiência na ação estatal significa operar sob uma ótica inteiramente diversa daquela que deve nortear as políticas sociais. Aos que vendem e aos que sequer conseguem vender sua força de trabalho por não encontrarem empregos, a única proteção social é aquela oriunda da ação do Estado pela via das políticas sociais.
Ao prender-nos à forma desviamo-nos da essência. A forma é a fundação estatal, o conteúdo é a privatização dos serviços sociais, das políticas sociais, dos direitos dos trabalhadores. Apesar da seleção por concurso público, a forma de contratação da força de trabalho será a do regime jurídico da Consolidação das Leis do Trabalho, salientando as obrigações dos trabalhadores mas não seus direitos. “(...)nas áreas em que atua de forma concorrente com a iniciativa privada, é indispensável que o Estado possa aplicar o regime celetista, mais
flexível e aberto à inovação e à especialidade( ...)”(MPOG) . A culpabilização da estabilidade da força de trabalho pela ineficácia e ineficiência do Estado reflete, na verdade, o potencial de resistência da força de trabalho à privatização das políticas sociais. A estes trabalhadores é mais fácil perceber, pela proximidade da condição de seus trabalhos, a gravidade das medidas para todos os trabalhadores.
Para contrabalançar as numerosas perdas imputadas à força de trabalho acena-se com a possibilidade de maiores salários para os trabalhadores empregados nas FEDP, algo que obviamente não poderá atingir o conjunto dos trabalhadores das Fundações. Cada FEDP terá seu próprio quadro de pessoal e, por conseqüência seu plano de carreira, emprego e salários. Esta medida fragmenta a força de trabalho e a torna frágil para lutar por melhores condições de vida universalizadoras e para defender as políticas sociais nas quais está inserida na forma de trabalhadores. Se a preocupação fosse de fato um atendimento melhor e mais ágil à população, não seria necessário um discurso de marginalização do funcionalismo público: bastaria apenas recorrer à legislação vigente, o Regime Jurídico Único, que prevê advertências, suspensões, demissão, dentre outras punições para o descaso com o serviço. Também seria priorizado o estímulo à dedicação exclusiva, previsto por lei.
O prejuízo para a classe trabalhadora se estende ao fundo público estatal. As FEDP gozarão de imunidade tributária sobre o patrimônio, renda ou serviços relacionados com suas finalidades essenciais e estarão isentas da contribuição da seguridade social. Elas venderão seus serviços ao Estado e a outros agentes do mercado. Reivindicarão do Estado recursos para realizar a prestação de serviços, no entanto não contribuirão para a formação do fundo público que sustenta a própria “política social” executada pela fundação porque esta ao
prestar serviços sociais gozará de imunidade tributária. A conclusão desse arranjo é a transferência de fundos públicos aos capitais particulares pela forma de contratação de serviços e pela liberação da obrigação de contribuir com a formação do fundo público. Não bastando isso, os mesmo atores envolvidos neste debate ainda defendem que as Fundações Estatais não se submetam a um teto remuneratório, abrindo espaço para disparidades salariais exorbitantes e cooptação política, atentando mais uma vez contra o papel histórico dos trabalhadores da área da saúde enquanto articuladores das demandas da população vivenciadas no cotidiano.
O controle social, tão caro aos princípios fundadores do Sistema Único de Saúde, é substituído por conselhos moldados nas grandes empresas capitalistas. Somente no Conselho Consultivo Social menciona-se a presença de “representantes da sociedade civil”. Dada a abrangência do termo “sociedade civil”, este abrange ONGs e tantas outras formas representativas de interesses privados. O Conselho Consultivo Social ainda por cima é subordinado ao Conselho Curador, este a ser majoritariamente composto por representantes do governo (e não do Estado) e que possui brechas para a corrupção e o apadrinhamento. A restritíssima participação da força de trabalho é coerente com a ênfase do processo decisório das ações da fundação estatal que revela a subordinação da política à “técnica” enquanto ação neutra. Vale lembrar que o projeto de Fundações Estatais de Direito Privado foi gestado entre quatro paredes, sem que em nenhum momento os dois principais interessados – trabalhadores do sistema e usuários – fossem ouvidos. Foi necessário o Conselho Nacional de Saúde pautar o tema para que pudesse ser ouvido pelo governo que, mesmo assim, enviou o projeto para o Congresso Nacional apesar de posição contrária do colegiado maior do controle social do SUS no nosso país.
Apesar de considerável deturpação do controle social pelos interesses privados, alguns espaços ainda resistem e merecem respeito ao seu acúmulo – a exemplo da XIII Conferência Nacional de Saúde, que repudiou o projeto das FEDP –, viabilizando conquistas que possam levar à frente este importante projeto, o texto do SUS, que é um dos mais avançados do planeta. Essa opinião a respeito do tema, consolida num fórum onde a população tem atualmente uma de suas maiores expressões de voz ativa deveria, no mínimo, servir de termômetro para o Estado, indicando que a discussão deve sair da superestrutura e partir para o debate nas bases em vez de se tentar aprovar o projeto a toque de caixa.
Os defensores do projeto das FEDP alegam que soluções alternativas demorariam muito tempo e necessitamos de ações imediatas. É importante ressaltar que, além do considerável tempo necessário à viabilização jurídica e financeira e à implementação propriamente dita do projeto, ele a longo prazo vai na contramão da consolidação do SUS em seus princípios inscritos na Constituição de 1988, sendo inconstitucional e inadmissível qualquer retrocesso nos direitos sociais conquistados. A Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, terminantemente contrária ao projeto em discussão, vem cobrar dos parlamentares uma postura coerente com todo o exposto anteriormente. Estamos em constante articulação com os demais movimentos sociais em defesa do SUS constitucional e denunciaremos todo e qualquer atentado contra os direitos sociais historicamente conquistados.
Atenciosamente,
Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina – Gestão 2009
Ramon Rawache - Coordenação Geral
Maria das Graças - Coordenação de Comunicação
Roberto Maranhão - Coordenação de Finanças
Sede Nacional - DENEM 2009
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