quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Artigo Prof. Edílson Pinto

E daí?!
“A vida é muito curta para ser pequena”
(Benjamim Disraeli)


            É sempre a mesma história. Basta a Mega-Sena acumular para que os telefonemas não parem de tocar: “Edilson, já fez a sua fezinha?”. E a resposta não poderia ser diferente: “Claro que não. Já viu um raio cair duas vezes no mesmo lugar?! Minha ‘Mega-Sena’, eu tirei em 1994... Portanto, duvido que ganhe novamente”.
Pois é caro leitor, só conheço uma pessoa que ganha na Mega-Sena todos os dias, desde 1994, faça chuva ou faça sol: Viviane, minha esposa. Pense numa mulher de sorte. Pensou? Multiplique por mil e eleve a décima quinta potência, aí você terá o resultado de apenas 0,1% da sorte de Viviane. Dizem que quem tem sorte nasce com “aquilo” virado para a lua, então, acredito que Viviane nasceu mesmo toda virada para a lua. Pois, não acredito que exista mulher mais sortuda do que ela.
Mas, a verdade é que nós dois temos sorte – ela muito mais do que eu, é claro... e muito dessa sorte vem do fato de termos um filho maravilhoso. Lucas é uma criança bela, tanto por fora (é a cara do pai), como por dentro. Não é à toa que o considero como o meu sensor anti-vaidade.
O ano era 2005. Estávamos nós três, em Recife. Eu e Viviane brindávamos a defesa de minha tese de doutorado em cirurgia, pela UFPE. Aí Lucas me saiu com essa: “O que vocês estão brindando?”; “Meu filho, seu pai é agora um Doutor de fato!”, respondi cheio de empáfia. Ele olhou-me com espanto e disse: “E daí ser um Doutor?! Você nem sabe falar japonês...”. As palavras de Lucas penetraram, como uma lâmina fria de um bisturi, cortando a catarata de minha alma, que teimava em me manter cego.
Por favor, caro leitor, não me condene. Entenda que como professor de uma instituição de ensino superior, não poderia ter tido um comportamento diferente, afinal, não é lá mesmo, nas universidades, que encontramos as maiores vaidades de vaidades?
Se você acha que o meu caso é único, veja o que aconteceu com o professor João Batista Pinheiro Cabral, quando lecionava na UnB. Certo dia, chegando ao Departamento de história, encontra em todas as portas as mais diversas placas de identificação: “Professor fulano de tal - PHD pela Harvard University; Professor beltrano - Doutor pela University Paris-Sorbonne, etc. etc.” Cada um que colocasse uma titulação maior. Então, o estimado conterrâneo nosso, para não ficar atrás, - já que ele tinha pós-doutorado-, resolveu também fazer a sua placa: “João Batista Pinheiro Cabral – A-L-F-A-B-E-T-I-Z-A-D-O”...
Pois é, meu caro leitor, as universidades estão cheias de “doutores”, mas que são completamente analfabetos para a vida (E o danado é que o MEC considera este aspecto – número de doutores – como o fator mais importante para pontuar uma escola de ensino superior, como excelente ou péssima. Ainda bem que Cristo - e nem Deus-, quiseram ser pesquisadores do CNPq, pois seriam reprovados: o primeiro por nunca ter escrito nada em revista Qualis A - parece nome de margarina, não é mesmo?; O segundo, por só ter uma publicação, a bíblia, e o MEC quer que o professor publique e muito, todos os anos. Coitado do Cervantes se fosse professor da Universidade Brasileira, teria que publicar um “Dom Quixote”, a cada dois anos...).
“Doutores”, preocupados com provas, notas, chamadas, etc. etc., mas, esquecem o que ensinava o magnífico Paulo Freire: “Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou sua construção... Quem ensina, aprende ao ensinar e quem aprende, ensina ao aprender”.
Portanto, ser professor é antes de tudo ser humilde - (Cristo, o mestre dos mestres, andou de jegue) – que não quer dizer subserviente-, mas sim, alguém capaz de aprender a aprender. “Quem se contamina com o vírus da auto-suficiência diminui a sua produção intelectual. Quem se embriaga com o orgulho está condenado a infantilidade emocional”.
Os romanos tanto sabiam disso - que o orgulho, a vaidade, a soberba eram sentimento extremamente danosos para os homens-, que quando um general retornava de uma dura batalha, com uma retumbante vitória, ele deixava o seu exército fora da cidade de Roma, subia numa biga (carro de combate com dois cavalos) e, dirigindo-se ao Senado, a cada quinhentas jardas, um escravo lhe soprava no ouvido: “lembra-te que és mortal!”... “lembra-te que és mortal!”...
Então é isso, caro leitor: mesmo com doutorado - e falando até japonês-, o homem nunca deixará de ser um cadáver adiado, como lembrava Fernando Pessoa.
Sorte minha – e mais ainda de Viviane -, ter o meu Lucas, para me ensinar que o buraco é mais em baixo.
Francisco Edilson Leite Pinto Junior
Professor, médico e escritor

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