segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Carta ao mestre Ernani Rosado

“...Ninguém respeita a constituição

Mas todos acreditam no futuro da nação

Que país é esse?”

(Titãs)

Querido mestre Ernani,

Quanta saudade! Ah! Como eram boas àquelas horas de convívio, de aprendizado constante, não só de cirurgia, mas principalmente, de vida. Sim! Caro professor, aprendi muito com o senhor. Aprendi a não ficar calado diante dos absurdos dos homens; aprendi a defender os meus ideais, como se fosse a última coisa a fazer nesta vida... Imagino o quanto o senhor sente saudade da docência, afinal, o professor se liga a eternidade do aluno e a sua influência não cessa nunca. E como àquelas horas se eternizaram em minha mente. Tem razão Adélia Prado: “O que a memória amou, fica eterno”.

Mas, não vamos ter raiva do destino. Ele nem é tão cruel assim. Pois, se ele foi madrasta, ao tirá-lo da sala de aula, foi também mãe, ao poupá-lo de presenciar mais um capítulo nas Universidades Públicas do Brasil. Sabia professor, que o Governo Federal, no apagar das luzes, acenou com mais verbas para as universidades? Agora é o REHUF – Programa de Reestruturação dos Hospitais Universitários. Uma gorda quantia de milhões de reais será oferecida às Universidades Públicas. Até aí, tudo bem! Mas, existe um pequeno detalhe, esquecido por todos, inclusive pela nossa querida UFRN: nada! Nenhum centavo, um mísero vintém, será empregado em programas de qualidade de vida e de estímulo dos docentes e funcionários! Mais uma vez a nossa Universidade nos mostra que Chaplin estav a errado ao gritar por mais humanismo ao invés de fazer apologia às máquinas e as obras...

Como se não bastassem as obras realizadas, desde 1994, no Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) - e sempre inacabadas -, agora, através dos quase 100 milhões do REHUF, vamos construir e destruir muito do que já foi feito. Não foi à toa que, certa vez, caro professor, fiz uma analogia das obras do HUOL, com o pano de Penélope: mulher de Ulisses, que para se manter longe dos seus pretendentes, de dia fazia uma manta, para a noite destruí-la. Só que agora, a destruição será mesmo a luz do dia. Vamos destruir muito do que já foi reformado e inaugurado, há poucos dias. Vamos destruir até o biotério e a cirurgia experimental do professor Aldo Medeiros: o lugar onde dei os meus primeiros pontos será transformado Deus sabe em que...

Toda essa farra do cimento e dos tijolos do HUOL, há 16 anos, não teria problema nenhum – mesmo sabendo que tudo isso é patrocinado com os nossos pesados impostos-, se fosse revertida em melhoria para a população. Mas o danado é que os números não mostram isso. Sete salas de cirurgias não conseguem funcionar tanto quanto deveriam e, por isso, em média, um doente leva cerca de cinco anos para operar a sua hérnia inguinal. É melhor nem falar dos cálculos das vesículas biliares, não é mesmo?... não são infundadas, portanto, às críticas ao HUOL e a sua participação pífia no SUS...

Caro professor, não seria mais lógico investir uma parte desse dinheiro no homem - estimulando os profissionais de saúde -, colocando, assim, para funcionar o que já foi construído e, hoje, é subutilizado? Eu sei que estamos na época da robótica, da cirurgia à distância, mas para o centro cirúrgico funcionar é preciso um exército unido, coeso e estimulado: do maqueiro ao médico. De que adianta, então, termos salas equipadas, com aparelhos de última geração, se o homem – o tão esquecido homem, esse ser desprezado, multiforme e cambiante-, não estiver lá para ligar estes aparelhos? Pra que tanta tecnologia - e obras -, se tudo isso não trouxer benefícios efetivos ao homem? Pra quê?!

Meu Deus, caro professor, por que foi que cegamos? Será que Saramago têm razão ao dizer que não cegamos, mas que estamos cegos: “Cegos que vêem; cegos que vendo não vêem”. Será, estimado mestre, que um dia, veremos o nosso bom e velho HUOL, de volta, entregue aos estudantes de medicina e não aos de arquitetura; entregue aos docentes e funcionários da saúde e não aos da engenharia civil? Será que um dia, voltaremos, no HUOL, a sentir o cheiro do éter, ao invés das tintas e colas?

Pois é, querido professor Ernani: quanta saudade! O escritor Rubem Alves ensina que a saudade é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar: “A saudade é a dor que se sente quando se percebe a distância que existe entre o sonho e a realidade. Mais do que isto: é compreender que a felicidade só voltará quando a realidade for transformada pelo sonho, quando o sonho se transformar em realidade”.

Querido mestre, preciso acreditar que o sonho não acabou! Preciso acreditar que esta realidade, tacanha e cega, não continuará para sempre a nos atormentar. Que esta realidade, cruel e mesquinha, não terá a última palavra. Preciso acreditar que a estupidez humana não será eterna...

Um forte e carinhoso abraço!

Do seu eterno discípulo,

Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor

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