quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Crise na saúde atinge infectologia

Sob autorização do autor, publicamos carta-aberta da Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia, conforme a recebemos.


"Sociedade Riograndense do Norte de Infectologia
Federada da Sociedade Brasileira de Infectologia

Carta aberta à sociedade. Natal, 09 de fevereiro de 2009.

Venho por meio desta, externar minha preocupação frente a uma possível nova epidemia de Dengue devido ao inicio das chuvas no ano corrente. Da mesma forma que os pediatras, que vivem exclusivamente do trabalho intelectual, onde não há vínculos com procedimentos ou máquinas e, portanto, são mal remunerados, os infectologistas estão ausentando-se das atividades médicas.
Ontem recebi a noticias de mais uma profissional, de grande qualidade, que fecha seu consultório devido à desvalorização da especialidade. Consultas em valores de R$ 30 a R$ 40 reais, pagos pelos planos de saúde com direito a retorno, quantos forem necessários num período de um mês, fato que é o nosso dia a dia, pois lhe damos com doenças agudas e que necessitam de acompanhamento diário, como uma infecção urinária das que matou recentemente uma modelo, fazem com que paguemos para trabalhar. Um bom profissional da infectologia passa cerca de 40 min a uma hora com seus pacientes de primeira vez. Como eles retornam no dia seguinte, caso não tenha tido melhora, são mais cerca de 30 a 40 min de reavaliação pagos ainda pela consulta anterior e assim sucessivamente até a resolução.
Portanto, se eu atendo uma paciente por 2 a 3 vezes e seu caso teve resolução, cada consulta fica pelo valor bruto de R$ 10,00 em média. Se retirado os valores de ISS, IRPF, taxa de aluguel de sala fica quase nada por paciente. Imagine se preciso ver o paciente por mais vezes.
Essa conta leva a três caminhos. O primeiro leva com que os clínicos atendam a vários pacientes, para ter algum retorno financeiro, em tempo de 15 min, converse pouco, peça muitos exames, gerem custos para o serviço e tenha um imenso risco de errar o diagnostico e o paciente agravar. Outro caminho é ele descobrir que paga trabalhar e deixar a parte clinica, buscando outras formas de melhor remuneração como auditorias, plantões exaustivos ou até mesmo outras profissões. Na ultima forma, essa inadmissível, é buscar formas espúrias, como obter vantagens em relações com laboratórios ou industrias farmacêuticas.
Especialidades como pediatria e infectologia não atraem mais os estudantes, até porque, por suas características, não possibilita nem a formação de cooperativa de especialidade que tenha força de pressão. Em sendo clínicos do serviço publico e por não realizarem procedimentos, não possuem uma cooperativa que os permita exonera-se do serviço publico. Para dar um exemplo da atual realidade, das três vagas para o curso de especialização em Infectologia da UFRN em 2009, apenas uma foi preenchida, embora a disciplina de infectologia da UFRN já tenha sido avaliada, pelos próprios alunos, como a melhor do curso médico.
Medicina de sacerdócio está indo a óbito. Valores pagos aos médicos levam a se buscar a medicina do negócio. Devido às remunerações aviltantes do serviço público e valorização dos procedimentos em relação a consultas é que muitos éticos estão abandonando o barco e os nem tanto buscam a ilicitude. Desta forma a assistência a saúde trilha pelo caminho da valorização da maquina em relação à conversa, ao olhar, ao respeito, ao interesse pelo bem estar do outro, a volta do sorriso. Hoje temos apenas cerca de 10 a 15 infectologistas para atender toda a demanda de serviço privado de mais de 150 mil usuários. Por outro lado, no Hospital Giselda Trigueiro as escalas em quase todos os setores estão desfalcadas e há muitos profissionais não infectologistas cobrindo o plantão no pronto socorro, pois há mais de 10 anos não tínhamos concurso. No ultimo, das 15 vagas disponíveis, apenas 12 foram preenchidas e apenas metade destes deverão assumir.
Com a chegada das chuvas, mais uma epidemia de Dengue se desenha. O risco de outra grande epidemia com a chegada do vírus tipo 4, pode ocorrer a qualquer instante. Febre amarela urbana, Malaria urbana, Gripe aviária, Pandemia de gripe, infecções por bactérias multirresistentes, bioterrorismo com vírus do tipo Varíola são outros riscos constantes e passiveis de ocorrer com proporções imprevisíveis.
Desta forma parece que só resta agora as crianças, que precisem dos pediatras, e a toda a população que necessite de infectologistas para que Deus olhe por todos e que nenhum mal grande aconteça. Aos colegas médicos e a toda a sociedade, acho que chegou a hora de avaliarmos para onde está indo nossa medicina, pois no fim a população é que receberá mais essa fatura, não importa se do SUS ou dos planos de saúde.
Henio Godeiro Lacerda

Presidente da SRNI"

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