quinta-feira, 25 de março de 2010

NOTA AOS ESTUDANTES DA UFRN
OS REAIS MOTIVOS PARA A MUDANÇA DO REGULAMENTO DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO
            Natal, 25 de Março de 2010

Hoje a UFRN passa por uma mudança que vem gerando problemas e muita polêmica. As alterações no regulamento dos cursos de graduação dizem respeito principalmente ao trancamento de disciplinas e possibilidades de jubilamento, dificultando aos estudantes, especialmente àqueles que trabalham, sua permanência na universidade.
Contudo, é preciso entender os reais determinantes dessa medida, dentro de um contexto muito maior de mudança no mundo do trabalho. A educação cumpre um papel dentro da sociedade de mercado: prepara a força de trabalho necessária à exploração capitalista de mais-valia. Assim, as reais motivações de mudança do ensino superior brasileiro, no bojo da chamada (contra-)reforma universitária, em que se encontram o PROUNI, a Lei de Inovação Tecnológica e o REUNI, devem ser buscadas na esfera da produção.
A indústria passou nos últimos 40 anos por intensas modificações na sua organização, o que se chama de reestruturação produtiva. O carro-chefe desse processo é o chamada Toyotismo, modelo de organização do trabalho surgido na década de 1950 na Toyota Motor Company (Japão) e que se difundiu durante a crise da década de 1970, substituindo o chamado modelo Taylorista/Fordista.
Basicamente, a idéia fundamental do sistema taylorista/fordista (...) é elevar a especialização das atividades de trabalho a um nível de limitação e simplificação tão extremos que, a partir de um certo momento, o operário torna-se efetivamente “um apêndice da máquina”.  (PINTO, 2007)
           
Essa forma de organização do trabalho baseada na produção em série e em larga escala, em grandes contingentes de trabalhadores super-especializados e semi-qualificados, sempre esteve associada a um baixo nível educacional dos trabalhadores, já que as tarefas estavam reduzidas a uma simplicidade quase pueril (lembrem do Chaplim apertando parafusos em Tempos Modernos). Isso trazia como reflexo no campo da educação superior, especialmente no mundo subdesenvolvido, um formato com sérias restrições ao acesso da classe trabalhadora.
            O sistema Toyotista, visando responder à crise do sistema Taylorista/Fordista, apresenta uma série de modificações (cujo detalhamento não cabe aqui), entre elas:
(...) utilização de uma força de trabalho polivalente – agregando em cada trabalhador atividades de execução, controle de qualidade, manutenção, limpeza, operação de vários equipamentos simultaneamente, entre outras responsabilidades. (PINTO, 2007)

É nesse aspecto polivalente do trabalhador que queremos aqui nos deter. Tal aspecto passou a ser necessário devido a uma reformulação no espaço fabril a partir da celularização, ou seja, da organização dos postos de trabalho em conjuntos abertos, as células de produção (em contraposição aos departamentos fechados do fordismo). Nelas uma equipe de trabalhadores pode alternar-se em seus postos conforme as metas exigidas a partir das encomendas, com a presença de um líder responsável por garantir o pleno funcionamento dos postos de trabalho assim como a comunicação entre as células e a administração da empresa.
A celularização substituiu o formato retilíneo dos postos de trabalho em série do Taylorismo/Fordismo por uma configuração semelhante a uma linha sinuosa composta de sucessivas células, conforme ilustra a figura a ao lado.
O Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) intituído pelo Decreto nº 6096, de 24 de abril de 2007, e ao qual aderiu a UFRN, cumpre esse papel de adequação às modificações promovidas pelo Toyotismo. Tem-se uma clara política de reorientação curricular, especialmente em cursos da área tecnológica, com o objetivo de atender ao perfil polivalente requisitado no setor produtivo do Capital, afinado ao modelo Toyotista.  
Para tal, propõe a constituição de um ciclo básico cujo objetivo é o fortalecimento das “capacidades de compreensão e de expressão oral e escrita assim como de conceitos de ciências em geral”. A flexibilização dos currículos de graduação parte da constituição deste ciclo inicial de dois anos (estudos universitários gerais) com certificação própria. (ANDES, 2004, destaques nossos).

Na verdade, escondendo-se atrás da propaganda da ampliação de vagas nas universidades (postura de conciliação de classes típica do atual governo federal), esse projetos respondem a uma orientação internacional do chamado Protocolo de Bolonha, pelo qual busca-se uma uniformização da educação superior em âmbito mundial, visando a atender às empresas transnacionais, com braços estendidos sobre diversas nações e que precisam de força de trabalho com qualificação uniforme em quaisquer desses países.
Em conseqüência disso, além do desrespeito às diferenças culturais, tem-se uma formação superior curta e não-profissionalizante (como um “fast-food de diplomas”), que busca gerar uma massa de trabalhadores menos despreparados do que aqueles com apenas o ensino médio, que dominem aspectos mínimos do conhecimento científico, mas que não são de fato engenheiros, nem sociólogos, nem professores, etc, estando à mercê do Capital como um exército industrial de reserva para pressionar para baixo os níveis salariais nos diversos setores. Nesse sentido é que a UFRN abre o chamado Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia.
Fica evidente assim, que a formação massificada de generalistas a partir de uma formação minimalista busca cumprir o papel de fornecer a força de trabalho polivalente requisitada pela atual forma de organização do trabalho, o Toyotismo. A (Contra-)Reforma Universitária, contudo, tem sua perversidade aumentada ao incorporar para dentro da Universidade Pública uma linguagem típica do setor privado, baseado em “produtividade”, “qualidade”, “competitividade”, “flexibilidade”, “gestão” e “gestores”, “eficiência” e “empreendedorismo”. Assim, quanto ao REUNI:
(...) O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada plano.
(...) Redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno (Decreto nº 6096, de 24 de abril de 2007, que implementa o REUNI)

Eis porque hoje a Reitoria impõe aos estudantes a reformulação do regulamento dos cursos de graduação. Além de atender a uma demanda das grandes empresas transnacionais, o REUNI estabelece na UFRN uma situação de degradação das condições para os estudantes conciliarem seu curso com outras atividades, especialmente o trabalho, através de uma espécie de coação pela qual se é forçado a atender metas colocadas pelo programa, sob o falso argumento de que o trancamento de disciplinas se dá por uma ato deliberado de estudantes que “não querem nada com o curso”. Ou seja, tal medida responsabiliza individualmente o estudante por um quadro determinado pelo nosso modelo de sociedade de mercado, mascarando que a assistência estudantil ampliada e de qualidade seria a real solução para que tais estudantes pudessem concluir seu curso.
Opor-se às mudanças impostas pela reitoria da UFRN é colocar-se contra um modelo educacional que visa meramente atender aos interesses das grandes empresas transnacionais na sua busca insaciável por lucros; é lutar para que nossa educação se volte a atender aos interesses populares, não só de acesso, mas de permanência, numa Universidade de fato pública e de qualidade, voltada para a emancipação humana e transformação social e não para a reprodução dessa sociedade e de seus valores.
Assim convocamos todos e todas a se mobilizarem contra as medidas impostas pela reitoria! Mudanças no regulamento somente se forem favoráveis à classe trabalhadora na Universidade!

                                                        Núcleo 23 de Novembro

REFERÊNCIAS:
1)       PINTO, Geraldo Augusto.  A Organização do trabalho no século 20: Taylorismo, Fordismo, Toyotismo. São Paulo: Ed. Expressão popular, 2007.
2)       ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS DOCENTES DO ENSINO SUPERIOR.  A contra-reforma da educação superior: Uma análise do ANDES-SN das principais iniciativas do governo Lula da Silva. Brasília: ANDES, 2004.

Maiores detalhes sobre a questão tratada em www.universidadeelutadeclasses.blogspot.com

Nenhum comentário: